quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O fim da ditadura militar no brasil

João Baptista de Oliveira Figueiredo(março de 1979 a março de 1985) foi o último general presidente, encerrando o período da ditadura militar, que durou mais de duas décadas.

Figueiredo acelerou o processo de liberalização política e o grande marco foi a aprovação da Lei de Anistia, que permitiu o retorno ao país de milhares de exilados políticos e concedeu perdão para aqueles que cometeram crimes políticos. A anistia foi mútua, ou seja, a lei também livrou da justiça os militares envolvidos em ações repressivas que provocaram torturas, mortes e o desaparecimento de cidadãos. O pluripartidarismo foi restabelecido. A Arena muda a sua denominação e passa a ser PDS; o MDB passa a ser PMDB. Surgem outros partidos, como o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT).

O governo também enfrentou a resistência de militares radicais, que não aceitavam o fim da ditadura. Essa resistência tomou a forma de atos terroristas. Cartas-bombas eram deixadas em bancas de jornal, editoras e entidades da sociedade civil (Igreja Católica, Ordem dos Advogados do Brasil, Associação Brasileira de Imprensa, entre outras). O caso mais grave e de maior repercussão ocorreu em abril de 1981, quando uma bomba explodiu durante um show no centro de convenções do Rio Centro. O governo, porém, não investigou devidamente o episódio.

Na área econômica, a atuação do governo foi medíocre, os índices de inflação e a recessão aumentaram drasticamente.

No último ano do governo Figueiredo surgiu o movimento das Diretas Já, que mobilizou toda a população em defesa de eleições diretas para a escolha do próximo presidente da República. O governo, porém, resistiu e conseguiu barrar a Lei Dante de Oliveira. Desse modo, o sucessor de Figueiredo foi escolhido indiretamente pelo Colégio Eleitoral, formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Em 15 de janeiro de 1985, o Colégio Eleitoral escolheu o deputado Tancredo Neves como novo presidente da República. Tancredo derrotou o deputado Paulo Maluf. Tancredo Neves, no entanto, adoeceu e morreu. Em seu lugar, assumiu o vice-presidente, José Sarney.

GENERAL FIGUEIREDO

          
  O general João Baptista Figueiredo assumiu a Presidência em 15 de março de 1979. Logo no início de seu governo, enfrentou os resultados do fim do "milagre econômico". A taxa de crescimento do PIB caiu rapidamente, chegando a -4% em 1983. A crise econômica significava também o desemprego e a queda do poder aquisitivo dos salários, comprometidos pela inflação.

            De 1979 a 1981, ocorreram movimentos grevistas em todo o país, envolvendo milhares de trabalhadores de várias categorias, que reivindicavam melhores salários. O governo federal reprimiu esses movimentos, intervindo em sindicatos, destituindo suas diretorias e prendendo seus integrantes. Em agosto de 1981, as lideranças sindicais se reuniram na primeira Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat), na tentativa de organizar o movimento sindical em âmbito nacional. Dois anos mais tarde foi criado a CUT (Central Única dos Trabalhadores), que, apesar de no início não ser reconhecida oficialmente, representava uma grande parcela dos trabalhadores brasileiros.

            A recessão econômica aprofundava a insatisfação popular com relação ao sistema político. O presidente Figueiredo deu prosseguimento à política de "abertura" e deixou as claras suas intenções logo no início do seu governo, declarando "Juro que farei deste país uma democracia". No seu governo foram dados os passos importantes nessa direção, mas sempre sob o controle do poder central.

            Em agosto de 1979 foi assinada a Lei da Anistia, suspendendo as penalidades impostas aos opositores do regime militar. Assim, foram libertados os últimos presos políticos e os exilados puderam voltar ao Brasil. Ampla e irrestrita, a Lei da Anistia garantiu, por outro lado, o esquecimento dos crimes cometidos contra as oposições nos anos anteriores. Ainda em 1979, dando continuidade ao processo de "abertura" política, o governo extinguiu o bipartidarismo. No lugar da Arena e do MDB, organizaram-se cinco partidos:

    * Partido Democrático Social (PDS), reunindo a maioria dos integrantes da antiga Arena;

    * Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), sucessor do MDB; o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que reivindicava a herança do trabalhismo de Getúlio Vargas juntamente com o Partido Democrático Trabalhista (PDT);

    * Partido dos Trabalhadores (PT), de tendência socialista, que reunia os setores ligados ao movimento sindical que se reorganizava desde 1978.

            Um sexto partido, o Partido Popular, formado por dissidentes da Arena, teve curta duração e integrou-se ao PMDB.

GENERAL ERNESTO GEISEL

           
O governo Geisel estendeu-se de 15 de março de 1974 até 15 de março de 1979.

            O modelo econômico desenvolvido pelo regime militar já apresentava sinais de esgotamento -- aumento da dívida externa, inflação, baixos salários. Mesmo assim, o governo tentou manter a expansão econômica e os grandes projetos: construção da hidrelétrica de Itaipu, lançamento do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), assinatura do acordo para a construção de usinas nucleares no Brasil.

            Assim que tomou posse, o presidente Geisel anunciou sua intenção de promover a "abertura" do sistema político. "Distensão" e "abertura" eram termos usados para indicar transformações que levariam o país à redemocratização, que, nas palavras do presidente, deveria ser "lenta, segura e gradual", ou seja, submetida ao seu controle. Durante o governo Geisel cresceu muito a oposição ao regime militar. A sociedade expressou seu descontentamento de várias formas:

    * Nas eleições legislativas de 1974 e 1978, o MDB obteve vitórias expressivas, apesar das limitações impostas pelas regras eleitorais da época.

    * A sociedade civil se organizava, na defesa dos direitos humanos (principalmente dos presos políticos), na campanha pela anistia, no movimento contra o custo de vida. Várias entidades se destacaram nas campanhas por mais liberdade e justiça. Entre elas: a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Igreja.

    * O movimento estudantil voltava às ruas, promovendo assembléias e passeatas. Os estudantes não limitaram suas reivindicações à área educacional. Foram solidários com as lideranças operárias na luta contra o regime militar.

            Enquanto isso, alguns sindicatos se reorganizavam e ganhavam força. Em 1978, os operários da fábrica SAAB-Scania, em São Bernado do Campo, entraram em greve a partir do dia 12 de maio. O movimento se estendeu a outras cidades do Estado de São Paulo e teve repercussão em todo o país, pois era a primeira vez desde 1968, que uma greve de tal proporção ocorria.

GENERAL MÉDICI

            O general Emílio Garrastazu Médici governou até 15 de março de 1974. Do ponto de vista político, foram os anos mais duros do governo militar, com o silenciamento total das oposições.

            Qualquer manifestação contrária ao governo era considerada perigosa; muitos cidadãos foram perseguidos, presos ou banidos do país por motivos políticos. Centenas de brasileiros sofreram maus-tratos nas prisões, outros morreram ou desapareceram, em circunstâncias não explicadas, quando se encontravam sob a guarda das autoridades para responder a interrogatórios. Os grupos de esquerda, que agiam na clandestinidade, foram desbaratados.

            Depois do AI-5 não havia mais qualquer possibilidade de oposição legal ao governo. Nessa época, alguns grupos de esquerda decidiram iniciar uma luta armada contra o regime militar, num movimento que ficou conhecido como guerrilha urbana. Fizeram parte desses movimentos, principalmente, estudantes, intelectuais e alguns militares.

            Inspirados nas revoluções socialistas ocorridas na China, em Cuba e no Vietnã, a esquerda armada esperava contar com o apoio da população para derrotar o regime militar. Organizaram-se ações espetaculares nas principais cidades do Brasil, como assaltos a bancos para conseguir recursos financeiros, seqüestros de embaixadores para serem trocados por presos políticos, atentados contra autoridades e empresários. Nos anos 70, movimentos de guerrilha ocorreram na região do rio Araguaia e no vale do rio Ribeira (Estado de São Paulo). A guerrilha do Araguaia durou muitos anos, mas a nação não tomou conhecimento de sua existência devido à censura imposta aos meios de comunicação.

            Os principais grupos armados que atuaram entre 1968 e meados dos anos 70 foram: Aliança Libertadora Nacional (ALN), Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Vanguarda Armada Revolucionária (VAR-Palmares) e outros.
No governo Médici, a economia brasileira teve um grande crescimento. Foram os anos do "milagre econômico", marcados pelo aumento das exportações agrícolas e pela expansão da indústria. O governo investiu em grandes projetos (construção de estradas e hidrelétricas) e estimulou a exploração econômica da Amazônia e da Região Centro-Oeste. A expansão da oferta de empregos e a prosperidade beneficiaram principalmente a classe média. Campanhas oficiais incentivavam o ufanismo utilizando slogans: Ninguém mais segura este país ou Brasil, ame-o ou deixe-o. No entanto a euforia durou pouco. A partir de 1974, o ritmo de crescimento da economia brasileira começou a diminuir, retirando uma base de apoio importante do regime militar e abrindo o caminho para a crise.

GENERAL COSTA E SILVA

            Em 3 de outubro de 1966, foi eleito presidente pelo Congresso Nacional o general Artur da Costa e Silva, ministro do Exército no governo Castelo Branco.
Costa e Silva governou de 15 de março de 1967 a 31 de agosto de 1969. Os dois primeiros anos de seu governo presenciaram várias manifestações de protesto contra o regime militar, contra o cerceamento das liberdades e contra o arrocho salarial. A UNE (União Nacional dos Estudantes), apesar de extinta, promoveu várias passeatas em todo o país. Aos estudantes se juntaram alguns representantes da classe política, do meio artístico, da Igreja e das classes trabalhadoras. A maior manifestação de protesto -- a Passeata dos Cem Mil -- ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, em 25 de julho de 1968.

            Ao mesmo tempo o movimento sindical procurava se organizar, apesar das intervenções federais. Em abril de 1968, os operários de Contagem (Minas Gerais) entraram em greve. Em novembro do mesmo ano, foi a vez dos metalúrgicos de Osasco (São Paulo). O resultado desses movimentos grevistas foi um maior controle do Estado sobre os salários e os sindicatos. Alguns grupos políticos, descontentes com os rumos que tomava o movimento militar, organizaram em 1967 a Frente Ampla de oposição ao governo Costa e Silva. Faziam parte da Frente o governador de Minas Gerais (Magalhães Pinto) e o governador do estado da Guanabara (Carlos Lacerda), apoiados pelos ex-presidentes Juscelino Kubistchek e João Goulart. A Frente Ampla foi proibida de organizar ou se manifestar em abril de 1967.

            Tudo indicava que o poder militar se prolongaria por muito tempo, apesar de os "revolucionários" de 1964 terem se apresentado como uma solução provisória, cuja função seria reorganizar o país. Mas o "fechamento" do sistema político prosseguia e se aprofundava, como veremos, com o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que depois foi incluído na Constituição, novamente reformulada em 1969.

            O pretexto para a elaboração do AI-5 foi um discurso pronunciado no Congresso Nacional pelo deputado Márcio Moreira Alves, que convocava a população a não participar das festividades do dia 7 de setembro daquele ano (1968). Os militares quiseram punir o deputado, mas foram impedidos pelo Congresso, que manteve a imunidade parlamentar de Moreira Alves. No dia 13 de dezembro de 1968 o presidente assinava o AI-5. O Congresso Nacional foi fechado novamente. Numerosas pessoas, sobretudo políticos, foram atingidas pelo ato institucional.

            No governo Costa e Silva, o sistema de ensino sofreu algumas modificações. Foi criado o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), destinado à alfabetização de adultos, e foi regulamentada a reforma universitária, pela Lei nº 5 540, de 28 de novembro de 1968. O antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) foi extinto e foi criada a Fundação Nacional do Índio (Funai), em 5 de dezembro de 1967.

            Em fins de agosto de 1969, o presidente Costa e Silva adoeceu gravemente, ficando impossibilitado de exercer suas funções. A Constituição previa a transferência do poder para o vice-presidente, Pedro Aleixo. No entanto, desobedecendo à lei, assumiu o governo uma junta composta pelos ministros militares; Augusto de Hamann Kademaker Grünewald (Marinha), Aurélio de Lira Tavares (Exército) e Márcio de Souza e Melo (Aeronáutica).
Durante o governo dos ministros militares foi promulgada a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, que introduziu muitas modificações na Constituição de 67. Ainda em outubro, o Congresso Nacional foi convocado para eleger o novo presidente, general Emílio Garrastazu Médici, que assumiu o poder no dia 30 daquele mês.

MARECHAL CASTELO BRANCO

            O Supremo Comando Revolucionário, que assumiu o poder em 1964, decretou através do ato Institucional nº 1 a escolha de um novo presidente para o Congresso Nacional, que deveria governar até 31 de janeiro de 1966. O escolhido, marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, chefe do Estado-Maior do Exército, teve seu mandato prorrogado até 15 de março de 1967. O Ato Institucional nº 1 permitia também a suspensão dos direitos políticos de qualquer cidadão durante dez anos e a cassação de mandatos parlamentares.

            Castelo Branco pregava o respeito à Constituição de 19646. No entanto, durante o seu governo, foram criados vários instrumentos de controle, como o Serviço Nacional de Informações (SNI) -- órgão de inteligência ligado às Forças Armadas -- e uma lei de greve que, na prática, impedia a realização de greves de qualquer natureza. Outros atos institucionais estabeleceram eleições indiretas para o governo estadual, que por seu turno nomeava os prefeitos das capitais. Milhares de pessoas ligadas ao governo deposto foram punidas, centenas de sindicatos sofreram intervenções. Todos os partidos políticos existentes foram extintos; em seu lugar, o governo criou dois partidos: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que reunia os partidários do novo regime; e o Movimento Democrático Brasileiro (MBD), única oposição permitida pelos militares, que pretendiam dessa forma manter as "aparências parlamentares" do movimento de 64.

            Em fins de 1966 o Congresso Nacional foi fechado e, no inicio do ano seguinte, foi convocado para aprovar uma nova Constituição, promulgada em 24 de janeiro de 1967. As medidas econômicas adotadas no governo de Castelo Branco tinham por objetivo combater a inflação e favorecer a retomada dos investimentos. Nesse sentido, o novo governo:
 
    * revogou a Lei de Remessa de Lucros proposta por João Goulart, beneficiando o capital estrangeiro investido no Brasil (novos empréstimos foram negociados com o FMI);

    * estabeleceu o controle sobre os salários;

    * instituiu a correção monetária, operação destinada a atualizar o poder aquisitivo da moeda, segundo índices determinados pelo governo;

    * criou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), em substituição ao antigo sistema de estabilidade e de indenização dos trabalhadores demitidos;

    * fundou o Banco Nacional de Habitação (BNH) que, obtendo os recursos do FGTS, deveria financiar a construção de casas populares;

    * criou o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária e o Estatuto da Terra.

Apesar de não atingir as metas propostas, as medidas de Castelo Branco criaram condições para o crescimento econômico que ocorreu posteriormente.

O golpe militar de 1964


O Golpe Militar de 1964 designa o conjunto de eventos ocorridos em 31 de março de 1964 no Brasil, e que culminaram no dia 1 de abril de 1964 em um golpe de estado. Todavia, para a maioria dos militares, chamar o golpe de Revolução de 1964 estaria associado à ideia de futuro, de esperança e de um tempo melhor, algo prometido para a população, devido ao Estado de corrupção que existia no Brasil. Esse golpe encerrou o governo do presidente João Belchior Marques Goulart, também conhecido como Jango, que havia sido democraticamenteeleito vice-presidente pelo Partido Trabalhista Brasileiro(PTB) – na mesma eleição que conduziu Jânio da Silva Quadros do Partido Trabalhista Nacional (PTN) à presidência, apoiado pela União Democrática Nacional(UDN).
Jânio renunciou ao mandato no mesmo ano de sua posse (1961) e quem deveria substituí-lo automaticamente e assumir a Presidência era João Goulart, segundo aConstituição vigente à época, promulgada em 1946. Porém este se encontrava em uma viagem diplomática naRepública Popular da China. Militantes então acusaram Jango de ser comunista e o impediram de assumir seu lugar como mandatário no regime presidencialista.
Depois de muita negociação, lideradas principalmente pelo cunhado de Jango, Leonel de Moura Brizola, na época governador do Rio Grande do Sul, os apoiadores de Jango e a oposição acabaram fazendo um acordo político pelo qual se criaria o regime parlamentarista, passando então João Goulart a ser chefe-de-Estado.
Em 1963, porém, houve um plebiscito, e o povo optou pela volta do regime presidencialista. João Goulart, finalmente, assumiu a presidência da República com amplos poderes, e durante seu governo tornaram-se aparentes vários problemas estruturais na politica brasileira, acumulados nas décadas que precederam o golpe e disputas de natureza internacional, no âmbito da Guerra Fria, que desestabilizaram o seu governo.
O Golpe de 1964 submeteu o Brasil a um regime alinhado politicamente aos Estados Unidos da América. O regime militar durou até 1985, quando, indiretamente, foi eleito o primeiro presidente civil desde as eleições de 1960, Tancredo Neves.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Governo brasileiro reconstitui outro lado da ditadura militar

Autoridades tentam resgatar vários testemunhos sobre os 21 anos de ditadura - entre 1964 e 1985 - para indemnizar as vítimas do regime e guardar as memórias num museu em Belo Horizonte. Novos relatos e documentos podem vir a mudar a forma como se conta a história daquela época.
O nome "Araguaia" é um episódio ainda "obscuro" sobre a repressão da ditadura no Brasil (1964-1985). Durante anos esteve guardado na gaveta dos tabus e negou-se que tivesse existido. Mas documentos de militares, ex-guerrilheiros e depoimentos de familiares das vítimas, que não puderam sequer enterrar os mortos, e que vieram agora à praça pública, provam o contrário e colocam o Governo brasileiro na balança da justiça.
O episódio é conhecido como a chacina de membros da "Guerrilha de Araguaia", grupo de militantes do Partido Comunista do Brasil, que se organizou na região do Pará, para se insurgir contra o exército da ditadura e, assim, tentar pôr termo à política de amordaçamento de direitos fundamentais e subjugação moral. Na altura, membros da guerrilha e apoiantes, na maioria trabalhadores rurais, foram torturados e mortos pelo Exército. Muitos foram dados como desaparecidos. Por isso, o Brasil está a ser processado pelo Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, órgão judicial autónomo da Organização dos Estados Americanos, com sede na Costa Rica.
Agora, 30 anos depois do acontecimento, o Governo brasileiro, além de pedir desculpas, anda a vasculhar a região à procura de corpos e começou a indemnizar ex-guerrilheiros e famílias das vítimas. A iniciativa faz parte da Campanha de Doação e Arrecadação de Documentos da Comissão da Amnistia, formada pelo Ministério da Justiça para resgatar a história silenciosa de quem sofreu na pele as garras do regime ditatorial e nunca teve oportunidade de a contar. Uma iniciativa "inédita", reconhecem os especialistas.
Mas mais do que rescrever a História do Brasil e "reparar os erros do passado", o estado brasileiro quer reconhecer quem foram os "protagonistas da construção da democracia no país", explica ao DN Paulo Abrão, presidente da Comissão da Amnistia.
"O exército abusou do poder para praticar actos de terrorismo e atropelo de direitos humanos: muitas pessoas perderam as terras, as plantações foram queimadas, houve prisões arbitrárias, escravidão, abusos sexuais, choques eléctricos, tiros nos pés e mãos, espancamentos; e até um sequestro de criança que não se sabe onde está." Por isso, continua Abrão, deve fazer-se "justiça" e reconhecer esses actos em todo o país. "Temos uma tarefa constitucional e oficial a cumprir", aponta.
Episódios como o de Araguaia estão a ser analisados pela Comissão de Amnistia: desde o ano passado, recolhem-se documentos pessoais, cartas, recortes de jornais da época, fotos de manifestações e depoimentos em vídeo e audio doados por voluntários dispostos a contar o outro lado da his- tória". Esses relatos podem "mudar a História da Ditadura", acredita o Ministro da Justiça, Tarso Genro. "A sociedade surpreender-se-á com inúmeros casos e actos não desvelados" - complementa Abrão - "em especial, episódios de repressão e resistência efectivadas no interior do Brasil e fora do eixo Rio de Janeiro - São Paulo e que não recebem o mesmo destaque histórico na actualidade".
O périplo de recolha e registo de testemunhos segue até Março de 2010. Os documentos doados serão expostos como parte do Memorial da Amnistia, espaço a ser inaugurado em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. Além de relatos e documentos do regime militar, a Comissão da Amnistia está receptiva a qualquer material sobre a história recente do Brasil.