sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Governo brasileiro reconstitui outro lado da ditadura militar

Autoridades tentam resgatar vários testemunhos sobre os 21 anos de ditadura - entre 1964 e 1985 - para indemnizar as vítimas do regime e guardar as memórias num museu em Belo Horizonte. Novos relatos e documentos podem vir a mudar a forma como se conta a história daquela época.
O nome "Araguaia" é um episódio ainda "obscuro" sobre a repressão da ditadura no Brasil (1964-1985). Durante anos esteve guardado na gaveta dos tabus e negou-se que tivesse existido. Mas documentos de militares, ex-guerrilheiros e depoimentos de familiares das vítimas, que não puderam sequer enterrar os mortos, e que vieram agora à praça pública, provam o contrário e colocam o Governo brasileiro na balança da justiça.
O episódio é conhecido como a chacina de membros da "Guerrilha de Araguaia", grupo de militantes do Partido Comunista do Brasil, que se organizou na região do Pará, para se insurgir contra o exército da ditadura e, assim, tentar pôr termo à política de amordaçamento de direitos fundamentais e subjugação moral. Na altura, membros da guerrilha e apoiantes, na maioria trabalhadores rurais, foram torturados e mortos pelo Exército. Muitos foram dados como desaparecidos. Por isso, o Brasil está a ser processado pelo Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, órgão judicial autónomo da Organização dos Estados Americanos, com sede na Costa Rica.
Agora, 30 anos depois do acontecimento, o Governo brasileiro, além de pedir desculpas, anda a vasculhar a região à procura de corpos e começou a indemnizar ex-guerrilheiros e famílias das vítimas. A iniciativa faz parte da Campanha de Doação e Arrecadação de Documentos da Comissão da Amnistia, formada pelo Ministério da Justiça para resgatar a história silenciosa de quem sofreu na pele as garras do regime ditatorial e nunca teve oportunidade de a contar. Uma iniciativa "inédita", reconhecem os especialistas.
Mas mais do que rescrever a História do Brasil e "reparar os erros do passado", o estado brasileiro quer reconhecer quem foram os "protagonistas da construção da democracia no país", explica ao DN Paulo Abrão, presidente da Comissão da Amnistia.
"O exército abusou do poder para praticar actos de terrorismo e atropelo de direitos humanos: muitas pessoas perderam as terras, as plantações foram queimadas, houve prisões arbitrárias, escravidão, abusos sexuais, choques eléctricos, tiros nos pés e mãos, espancamentos; e até um sequestro de criança que não se sabe onde está." Por isso, continua Abrão, deve fazer-se "justiça" e reconhecer esses actos em todo o país. "Temos uma tarefa constitucional e oficial a cumprir", aponta.
Episódios como o de Araguaia estão a ser analisados pela Comissão de Amnistia: desde o ano passado, recolhem-se documentos pessoais, cartas, recortes de jornais da época, fotos de manifestações e depoimentos em vídeo e audio doados por voluntários dispostos a contar o outro lado da his- tória". Esses relatos podem "mudar a História da Ditadura", acredita o Ministro da Justiça, Tarso Genro. "A sociedade surpreender-se-á com inúmeros casos e actos não desvelados" - complementa Abrão - "em especial, episódios de repressão e resistência efectivadas no interior do Brasil e fora do eixo Rio de Janeiro - São Paulo e que não recebem o mesmo destaque histórico na actualidade".
O périplo de recolha e registo de testemunhos segue até Março de 2010. Os documentos doados serão expostos como parte do Memorial da Amnistia, espaço a ser inaugurado em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. Além de relatos e documentos do regime militar, a Comissão da Amnistia está receptiva a qualquer material sobre a história recente do Brasil.

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